O inconsciente imenso não acorda, porque está, como um aroma, dentro de um bloco duro, impenetrável. É o sonho cativo num ovo hermético de bronze. As almas emotivas dos grandes visionários, essas conservam aquela graça radiante, aquela omnipresença espiritual, que as deixa embeber, mover, existir na fraternidade cósmica e divina. O sonhador dos Pobres é um evocador atormentado e religioso. Busquei no seu livro a imagem ardente da sua alma. Vamos ver se a desenho com rapidez e precisão.
Alma vibrátil e fugaz, olhando a natureza, o que sentiu? Assombro, esplendor, pavor, enigma, deslumbramento. Tudo vive, deseja, estremece, palpita, murmura e sonha. Tudo vive, tudo vive: o homem, a fera, a rocha, o lodo, a água, o ar, braseiros de mundos, aluviões de nebulosas, incorporeidade genética do éter.
Fervedoiro de vidas insondável, que o tempo não esgota, porque a morte criadora continuamente o desorganiza e reproduz em formas novas e diversas. E todas se cruzam, beijam, penetram, correspondem. É uma teia vertiginosa de fios sem fim, de fios móveis, ondeantes, cambiantes, urdindo-se ela mesma, na eternidade impenetrável, sem ninguém ver o tecelão. Rigidez, solidez, inércia, não existem. Na fraga mais. dura, no bronze mais compacto circulam desejos, dramas, turbilhões de moléculas e vontades. As cordilheiras inabaláveis são redemoinhos dentro de enxovias. O concreto dilui-se, o material evapora-se. O sol tombando, aniquilaria cardumes de planetas, e a luz do sol, que é sol volatilizado, pesa menos que uma folha de rosa na mão duma criança. Em cada bloco metálico latejam oceanos dormentes, de vagas fluidas, invisíveis. Acordem-nos, e o bloco obtuso, electrizado, irradia no éter. Vede um penedo monstruoso:
parece firme.