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Capítulo 1: Carta-Prefácio

Página 3
Desagregou-se, e é lama; a raiz tocou-lhe, e é seiva; a seiva gerou, e é flor e é fruto; o fruto, alimento; o alimento sangue; e o sangue vermelho, corpo que caminha, carne que fala, cérebro que pensa.

Natureza! universo!... Vidas infindáveis eternamente circulando numa vida única. Assombro, esplendor, pavor, deslumbramento! O homem vacila, desmaia, quer equilibrar-se... mas onde, se não há terra em que poise, nem muro a que se encoste?! Tudo impalpável, fugaz, incerto, ilusório, ilimitado... tudo vida, tudo sonho, tudo voragem... Se baixa os olhos do imenso ao grão de areia, o grão de areia, infinitésimo, resolve-se-lhe em vidas infinitas. Quer contemple o universo, quer examine um corpúsculo, a alma engolfa-se estonteada, no mesmo abismo devorador e criador.

Abismo de aparências ocultas, abismo de vozes que se não ouvem. A natureza taciturna exprime-se magicamente, em línguas vagas, silenciosas. E quando num pouco de cisco murmuram mais vontades do que bocas humanas há na terra, o que não dirá o colóquio formidando de todas as vontades do universo! Tem cada organismo a sua língua peculiar. Os que vivem mais próximos entendem-se melhor. O ar segreda à água, a raiz ao lodo, a luz à folha. o pólen ao ovário. Há fluidos que se casam, raízes que se querem bem. O oxigénio é intimo do ferro, o azougue é íntimo do ouro. Os orbes fraternizam, os metais amalgamam-se, e as electricidades sexuadas buscam-se avidamente, para copular!

Matéria infinita – forças infinitas, infinitamente caminhando. E no pélago vertiginoso da mobilidade universal é cada átomo invisível um desejo que nasce, um desejo que sente, um desejo que fala...

O léxico sem princípio nem fim, das vozes mudas do incriado, das línguas tácitas da natureza, alguém o ouviu que se recorde? Alguém: o homem.

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pág. 3 (Capítulo 1)

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 3

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154