A toda a hora vai o enxurro humano polindo as pedras. A ventania açouta o casarão e passa, levando poeira de cisma, ais, para outro mundo ignoto. Com a noite redobra a vida desta multidão feita de terriço: certos homens são sonhos, outros gritos. Põese o Gebo a contar a sua história, surge uma velha trágica, com o caio dos palhaços, e o Gabiru, filósofo esguio que tem descoberto mundos e ignora as coisas mais simples da vida. Remexe num brasido de ideias e nunca olhou cara a cara a existência. Anda atónito na rua, perdido num mundo que descobriu à proa do seu barco como um navegador. No subterrâneo do prédio mora – há quantos anos? – um homem que ninguém viu e de quem ninguém sabe a história. Emparedou-se. Odeia a luz: essa poeira azul, que embebe os seres e as coisas, março, a árvore, a vida tumultuária e larga como um rio, nunca mais a viu. Está vivo num túmulo: só as paredes esbraseadas, à força de sonhar, a rubro como as pedras duma forja, conhecem a sua dor. Pára no patamar o Gebo contando o que sofreu aos pobres que o querem ouvir.
Muitos fazem roda e ele narra pedaços duma triste existência de humilhação e de esmola, sempre esbaforido e escorraçado, a filha a sustentar o desprezo do mundo, as suas correrias, desorientado e com lágrimas, atrás do pão para os seus.
A ventania aumenta, abalando o prédio. De que é construída uma casa? De pedra. Todo o globo é revolvido para abrigar o homem. A árvore e a ossada da terra são arrancadas para o servirem. Juntem a isto gritos. De pedra, de árvores e de gritos foi construído o Prédio.
Juntem a isto sonho, que transforma as coisas. Um sofre nos subterrâneos, outro de tanto sonhar empoeirou de oiro o granito. De forma que toda a casa, amolgada e revolvida, tomou alguma feição daquelas existências.