– Onde vocês puserem os pés ponho eu a boca. Aqui estou, aqui me têm. – Eles riram-se de mim. – Anda, escrava! – Vai eu e ria-me. – Que quereis de mim? – Rua, escrava! – e eu ia-me embora. Um dia peguei e dei-lhes rosalgar a comer. Comeram-no. Então, quando o vi morto, pus-me a rir, a rir, que era uma dor do coração.
Levaram-me em braços. Na cadeia chamaram-me a perguntas e eu só me ria, Já me doía a cara de tanto rir e via-o sempre morto a meu lado. – Porque o mataste? – e eu desatava a rir-me... Aqui têm, cada qual cumpre o seu fado. Todas temos de nos sujeitar e de sofrer. Eu sou a Mouca – terminou às risadas.
Aquela porta aberta para a tragédia e para o escárnio fica em frente do Hospital. As mulheres dos ladrões e dos soldados moram ao pé da dor. As paredes negras e húmidas – mãos ao roçarem-nas deram-lhes aflição, gritos abalaram-nas – f oram construídas do mesmo sonho e da mesma pedra de que é feita a vida.
Lá dentro, a uma luz enfumaçada e oleosa, as mulheres expõem-se como farrapos de adelo ou máscaras: direis retratos a tressuar de aflição, tanto desespero ressumam as bocas que gargalham. Duas à porta espreitam, uma cisma com a fisionomia petrificada.
Outra canta, e a patroa, gorda e desdentada, calcula o ganho. Às vezes prega-lhes horas e horas:
– O amor sabe a vinagre. É pior do que a morte...
Não no queiram, ouviram?
A senhora fala! fala!... Bem triste é achar-se a gente sozinha no mundo – diz uma, derreada e tísica.
– E ter o quê? Escárnio, só se for... – acrescenta outra.
– Eu de mim, se fosse sozinha no mundo, cuido que me afogava.
– Pois andai! andai! – diz a patroa. – Fartai-vos de desgraça. É só fartar! Que sois vós? Menos que terra... Ireis deste mundo fartas de desgraça.