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Capítulo 4: III - As mulheres

Página 31

– Onde vocês puserem os pés ponho eu a boca. Aqui estou, aqui me têm. – Eles riram-se de mim. – Anda, escrava! – Vai eu e ria-me. – Que quereis de mim? – Rua, escrava! – e eu ia-me embora. Um dia peguei e dei-lhes rosalgar a comer. Comeram-no. Então, quando o vi morto, pus-me a rir, a rir, que era uma dor do coração.

Levaram-me em braços. Na cadeia chamaram-me a perguntas e eu só me ria, Já me doía a cara de tanto rir e via-o sempre morto a meu lado. – Porque o mataste? – e eu desatava a rir-me... Aqui têm, cada qual cumpre o seu fado. Todas temos de nos sujeitar e de sofrer. Eu sou a Mouca – terminou às risadas.

Aquela porta aberta para a tragédia e para o escárnio fica em frente do Hospital. As mulheres dos ladrões e dos soldados moram ao pé da dor. As paredes negras e húmidas – mãos ao roçarem-nas deram-lhes aflição, gritos abalaram-nas – f oram construídas do mesmo sonho e da mesma pedra de que é feita a vida.

Lá dentro, a uma luz enfumaçada e oleosa, as mulheres expõem-se como farrapos de adelo ou máscaras: direis retratos a tressuar de aflição, tanto desespero ressumam as bocas que gargalham. Duas à porta espreitam, uma cisma com a fisionomia petrificada.

Outra canta, e a patroa, gorda e desdentada, calcula o ganho. Às vezes prega-lhes horas e horas:

– O amor sabe a vinagre. É pior do que a morte...

Não no queiram, ouviram?

A senhora fala! fala!... Bem triste é achar-se a gente sozinha no mundo – diz uma, derreada e tísica.

– E ter o quê? Escárnio, só se for... – acrescenta outra.

– Eu de mim, se fosse sozinha no mundo, cuido que me afogava.

– Pois andai! andai! – diz a patroa. – Fartai-vos de desgraça. É só fartar! Que sois vós? Menos que terra... Ireis deste mundo fartas de desgraça.

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 31

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154