.. – ameaça a patroa pondo-se de pé.
– O quê, senhora?
– Para sempre, traz-se para sempre uma pedra no coração sem se poder arrancar.
– Então para que nasce a gente? Só para sofrer? – pergunta Sofia.
– Só. A este mundo vem-se para sofrer.
– Ah!...
– Enganai-os. Tratai de juntar, de juntar dinheiro.
O resto tudo é fingido...
Mas uma, triste e magra, a tísica:
– Nesta vida todos nos rebaixam e a gente precisa de encontrar alguém, um pobre como a gente...
– Inda que seja um ladrão... – interrompe Luísa.
– Ao pé de quem se não sinta desprezada.
– Meteu-se a gente na triste vida e nunca mais pode sair – afiança a outra. – Olhai que me lembro... Cada qual aqui é menos que nada, é como a terra...
De dia pela porta escancarada vê-se o banco do hospital. Nada mais puído do que essas míseras tábuas de pinho secas, gastas, distinguidas, e nada também mais comovente. Vivem, estremecem. Há coisas que, à força de serem tocadas pelas mãos humanas, ganham alma, criam fisionomia. Antes da morte ali tombaram os corpos que, como uma pua, a dor brocou. Aquelas tábuas mirradas, de se sentirem a toda a hora roçadas pelas mãos de náufragos (todos os que entram no hospital ali passam, santos, poetas, pobres com a boca cheia de gritos), começaram uma outra existência.
Foi a árvore arrancada à terra para amparar os pobres. É ainda mais bela do que levantada no topo do solitário monte, ao nevão, ao sol, à tempestade, às estrelas. Ei-la enfim somente erguida para a dor. Tábuas que já deram sombra na floresta, embebidas de seiva e de azul, vieram servir de encosto a míseros: têm nódoas de sangue, dedadas de aflição e suor de desgraçados que se entranhou na madeira.