Nesse dia pôs-me o corpo negro, como este lenço que trago na cabeça. Olhai... Ainda tenho as marcas. Estás só na cova me passam. – Farta-te, se queres, mas não me desprezes... – Vai ele e disse-me: – Fica pra aí, estupor, que te não posso ver – Vejam vocês!... Se isto é assim no mundo, se a gente cá vem pra isto, para nos deitarem fora, e não há mais nada, era melhor morrer... E antes tivesse morrido pra não ter mais que penar...
– O hospital está à espera, raparigas – diz a patroa do canto.
– Ouvi dizer que os estudantes cortam a gente pra estudar?...
– E a mim que me importa?
– Eu já ouvi a um... E o que eles se riem uns com os outros!...
– Depois da morte a gente não sente.
– Quem é pobre acho que vai sempre pra eles aprenderem a estudar.
– Pois a mim é o que me entristece... O meu pobre corpo ser retalhadinho!
– Lá está o hospital à espera, raparigas!...
– Tu não te calarás!
Riem-se, uma fica cismática e a patroa continua:
– Filhas, ainda podeis enriquecer. O que é preciso é muita experiência da vida. Não há nada pior do que envelhecer pobre... O que eles se riem! E põem-se a rir até do nosso ódio, ouviram?
– Quem nasce pra esta vida mais valia morrer.
– E tu pra que vieste?
– Foi o meu fado.
E a velha continua:
– Haveis de querer comer e tereis...
– O quê – diz uma, ansiosa.
– Pedras.
– Acabou-se! – diz outra.
E fica cismática.
– Mais nos valia morrer.
– Mais valia.
– Andai, andai! Lá tendes todas no hospital uma enxerga e o lençol. E o cemitério pode sempre com gente.
Aquele nunca se farta.
– Tem sempre fome – murmura do lado uma sorrindo.
– Pois tem – afiança a companheira.
– Deixá-lo ter! – exclama a Mouca.
– Envelhecei pobres e vereis! vós vereis!.