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Capítulo 6: V - História do Gebo

Página 43

Morremos à fome.

– É o mesmo, mulher, é o mesmo. Paciência.

– O pior é de nós, de mim e da pequena.

– Pois é o que me aflige, que por mim quem me dera morrer!

– Não fosses tolo! olha os teus amigos como trepam.

– O mulher, mas que hei-de eu fazer? Tu não me dirás o que hei-de fazer?

– Roubá-lo! roubá-lo!...

Às vezes esqueciam-se e ainda palravam em torno duma esperança, a qual, agora nascida, logo a desgraça calcava. A mais humilde poeira de ilusão bastava para que todos três, gelados pela desventura, se sentassem na enxerga, prontos a edificar os mais altos castelos e esquecidos de tudo. Só a filha sofria em silêncio, magra e com um sorriso tão triste que lembrava certas horas em que há sol e chuva misturados. E como o Gebo lhe queria! Pelo seu destino que seria amargo, e por ser o único ser no globo que lhe não dizia más palavras.

Lá ia indo pela vida fora, coçado e com um ar de aflição que fazia rir. Parecia amachucado: as marcas dos encontrões nunca mais lhe saíam.

A mulher passava os seus dias numa luta desesperada com a desgraça, arrancando-lhe os últimos trapos, disputando-os um a um até vê-los desfeitos. Ao fim do dia ouviam-se os passos vagarosos do velho nas escadas e a sua respiração – anh! anh! –sufocada.

– Aí vem ele... – murmurava.

O Gebo entrava e ela logo, sôfrega, morta por desabafar o que todo o dia ruminara:

– Até que vieste, homem! E então? Conta. Então há alguma esperança?

– Não há nada, mulher.

E sentava-se arrasado.

– Também, ninguém faz caso de ti. Que és tu?

Sabes o que tu és?

– Eu não, o quê?

– Um ente inútil. Não há ninguém que se não ria de ti, das tuas desgraças, das tolices que tens feito... Que é do dinheiro que tanto nos custou a poupar?

– Eu sei lá agora do dinheiro! Não falemos mais nisso.

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pág. 43 (Capítulo 6)

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 43

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154