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Capítulo 1: Carta-Prefácio

Página 5

Os grandes monstros não chegam verdadeiramente na época secundária; aparecem na última, com o homem.

Ao pé dum Napoleão um megalosauro é uma formiga.

Os lobos da velha Europa trucidam algumas dúzias de viandantes, enquanto milhões e milhões de miseráveis caem de fome e de abandono, sacrificados à soberba dos príncipes, à mentira dos padres e à gula devoradora da burguesia cristã e democrática. O matadouro é a fórmula crua da sociedade em que vivemos. Uns nascem para reses, outros para verdugos. Uns jantam, outros são jantados. Há criaturas lôbregas, vestidas de trapos, minando montes, e criaturas esplêndidas, cobertas de oiro e de veludo, radiando ao sol. No cofre do banqueiro dormem pobrezas metalizadas. Há homens que ceiam numa noite um bairro fúnebre de mendigos. Enfeitam gargantas de cortesãs rosários de esmeraldas e diamantes, bem mais sinistros e luxuosos que rosários de crânios ao peito de selvagens.

Vivem quadrúpedes em estrebarias de mármore, e agonizam párias em alfurjas infectas, roídos de vermes.

A latrina de Vanderbilt custou aldeolas de miseráveis.

E, visto os palácios devorarem pocilgas, todo o boulevard grandioso reclama um quartel, um cárcere e uma forca.

O deus milhão não digere sem a guilhotina de sentinela.

Os homens repartem o globo, como os abutres o carneiro.

Maior abutre, maior quinhão. Homens que têm impérios, e homens que não têm lar.

Os pés mimosos das princesas deslizam luzentes de ouro por alfombras, e os pés vagabundos calcam, sangrando, rochedos hirtos e matagais. Bebem champanhe alguns cavalos do sport, usam anéis de brilhantes alguns cães de regaço, e algumas criaturas, por falta duma côdea, acendem fogareiros para morrer. Bendito o óxido de carbono, que exala paz e esquecimento! E a natureza, insensível ao drama bárbaro do homem! Guerras, ódios, crimes, tiranias, hecatombes, desastres, iniquidades, deixam-na tão indiferente e inconsciente, como o rochedo imóvel, bulindo-lhe a asa duma vespa.

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 5

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154