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Capítulo 1: Carta-Prefácio

Página 6
O clamor atroador de todas as angústias não arranca um ai da imensidade inexorável. A aurora sorri com o mesmo esplendor aos campos de batalha ou ao berço infantil, e as ervas gulosas não distinguem a podridão de Locusta da podridão de Joana D’Arc. Reguem vergéis com sangue de Iscariote ou com sangue de Cristo, e os lírios inocentes (estranha inocência!) desabrocharão, igualmente cândidos e nevados.

A humanidade, enfim, é a vitória dos arrogantes sobre os humildes, dos fortes sobre os débeis, da besta sobre o anjo. E tendo de escolher entre vencidos e vencedores, entre o amor e o ódio, o mal e o bem, o riso e as lágrimas, o seu coração misericordioso de poeta inclinou-se espontaneamente para a Dor, como as vergônteas para a luz.

A dor é o seu deleite. Busca-a, desejo febril! – por hospitais, por cadeias, por antros, por alcoices.

Fareja-a de noite nos bairros leprosos, cloacas de humanidade, vazadouros de almas, onde crimes, virtudes, vícios, angústias, raivas, desesperos, fermentam promiscuamente, aglomerados e abandonados, como esterqueiras, como entulhos. Pesquisa dédalos caliginosos, cafurnas sem fundo, abismos hiantes, boqueirões de sombra. Explora desvãos, trapeiras, minas, covas, esconderijos. Louco de piedade, engolfa-se nas trevas mudas e soturnas, que gotejam sangue, nas roucas escuridões tumultuosas, pávidas de gemidos, cortadas de clamores, anavalhadas de blasfémias.

E do âmago dessas noites insondáveis pululam turbas espectrais de crucificados, hordas de monstros, bandos de misérias, cardumes de abominações e de agonias. Ululam tropéis disformes e sangrentos, regougam fauces patibulares, choram, coroadas de úlceras, Madalenas lívidas, bocas de escárnio crocitam sem dentes e sem pudor, arquejam ralas estertorantes, gemem crianças vagabundas, tossem tísicos, ardem febres, luzem gangrenas e podridões.

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 6

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154