Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 15: XIV - O escárnio

Página 91

Tem passado fome, tem vivido só com pão e cisma, preso a nuvens e de súbito dá de cara com o escárnio.

Há quem se ria da dor, dos gritos, da tragédia. O mal faz rir? Faz. A dor faz rir? Faz. E a desgraça? Também.

Os ladrões e as mulheres têm vontade de espezinhar porque odeiam e não compreendem o sonho.

Arrastem para um tablado as piores ruínas e as mais amargas catástrofes, que a multidão gargalha. Ponham a fome a ulular, que a matéria ri. Ri de tudo o que é triste, pobre e torto – e do que é belo como os astros.

Ressuma raiva o escárnio. Neste riso há sempre gritos. Toca a gargalhar da desgraça e da dor; transformam em força toda a tragédia humana.

– Diz que estás apaixonado?

O Gabiru cala-se.

– Tu não falas?... Ah tu não falas, enguiço?... É desta que tu gostas?

– É de mim? – pergunta a tísica e tosse, rindo-se.

– É de mim? – Está ao pé da cova e espezinha, ri com ódio, pelo que sofreu na vida.

Cessam num momento os risos. O que sentem todos é vontade de o calcar, de o tornar raso como eles...

– É por esta? Não? Então tu imaginas que há alguém que goste de ti, meu desengonçado? Tu!... Vocês vêem-no? Nem sei que parece! Aí vai o poeta!...

Dá-lhe um encontrão, atira-o e, entre risos e chufas, vai de mão em mão como um trapo. Todos têm vontade de o amachucar, de o tornarem mais reles, mais triste, mais pobre e transido, por não lhe poderem tirar o pão da sua vida – o sonho.

– Aí vai o poeta!...

Até que o largam. De pé no meio da sala, com o casaco roto, amolgado, exclama, não compreendendo:

– Mas eu que fiz? eu que fiz?... – Vai rir? vai chorar?...

As gargalhadas redobram ao verem-no espantado e pícaro. As bocas más clamam, cheias de gritos. O seu olhar aflito procura a Mouca e vê-a rir-se também.

<< Página Anterior

pág. 91 (Capítulo 15)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 91

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154