Cada um encontra nesse pélago o que lhe falta na vida.
E falam! falam... Todos os sonhadores se põem a falar ao mesmo tempo.
– Para quê então ser homem?
– Ninguém sabe.
– Quem me dera não sentir, andar como anda a essência do tição ardido, perdida no redemoinho eterno, ora na mãe d’água, ora no fundo do mar!
– O que é a Vida?
Os pobres a um canto escutam em silêncio aquelas criaturas nascidas entre pedras e que passaram a vida agarradas a um sonho. E não dizem palavra – porque só eles sabem sofrer.
– Mas então mais vale a morte.
– Pois mais vale.
E não vêm lá no fundo as feições consumidas, os olhos fartos de chorar, as cabeças de mártires e de santos que parecem cavadas na madeira por algum escultor ignorante, mas que as impregnou para sempre duma vida estranha. Alguns são verdadeiros seres de espanto; de outros só se vêm as mãos enormes. E a certas fisionomias a luz ilumina-as e a sombra corrói-as como um ácido.
São anónimos. Só eles gastos e mudos mergulham na vida raízes profundas. Os outros dizem palavras, constroem em nuvens – eles edificam. Mas todos perguntavam na mesma ânsia – o que é a Vida?...
Sei lá o que é a Vida? Todos me interrogam e eu debalde me interrogo... Nunca foi só no mundo: fios invisíveis prenderam-me sempre a todos os seres não só pela piedade, não só pela comunhão com os desgraçados, mas por outra coisa maior e mais profunda, por um sentimento de remorso, como se eu tivesse alguma responsabilidade nesta dor e na criação das figuras de desgraça... E tenho medo. Tenho ao mesmo tempo remorso e medo. Nunca entrei numa casa de prostitutas sem pavor. Afigurava-se-me sempre uma cena de outro mundo atroz – e isto é ainda o menos – de outro mundo que eu tivesse engendrado.