Um Estudo em Escarlate - Cap. 2: 2 - A Ciência da Dedução Pág. 15 / 127

- Tenho de me servir desta sala como local de negócios - disse ele -, e estas pessoas são meus clientes. - Tive de novo oportunidade de lhe fazer uma pergunta directa e de novo a minha modéstia impediu-me de obrigar outro homem a confiar em mim. Nessa altura imaginei que ele tivesse um motivo forte para não fazer referência a isso, mas logo afastou a ideia ao abordar o assunto de moto próprio.

Foi no dia 4 de Março, visto que tenho uma boa razão para me recordar, porque me levantei um pouco mais cedo do que o habitual e verifiquei que Sherlock Holmes ainda não tinha acabado de tomar o pequeno-almoço. A senhoria já estava tão acostumada aos meus hábitos de retardatário que a mesa ainda não estava posta para mim nem o café preparado. Com a despropositada petulância própria do gênero humano, toquei a sineta e dei a entender que estava pronto. Depois, peguei numa revista que estava em cima da mesa e tentei passar o tempo com ela, enquanto o meu companheiro, em silêncio, mastigava a torrada. Um dos artigos tinha uma marca de lápis no cabeçalho, e eu, naturalmente, comecei a lê-lo rapidamente.

O título, um tanto ambicioso, era O Livro da Vida, e procurava mostrar quanto podia aprender um homem observador com um exame cuidadoso e sistemático de tudo o que lhe aparece. A argumentação era muito minuciosa e profunda, mas as conclusões pareceram-me ser forçadas e exageradas. O autor asseverava que, através de uma expressão momentânea, uma contracção muscular ou um olhar, se podem sondar os pensamentos mais profundos do homem. Segundo ele, fraude era uma coisa impossível em relação a alguém preparado para a observação e para a análise. As suas conclusões eram tão infalíveis como muitas das proposições de Euclides. Os resultados pareceriam tão surpreendentes aos leigos que até que aprendessem os processos através dos quais chegara a eles podiam muito bem considerá-lo um necromante.

De uma gota de água [dizia o autor], uma pessoa versada em lógica podia inferir a possibilidade de um Atlântico ou de um Niagara sem ter visto ou ouvido falar de um ou de outro.





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