Um Estudo em Escarlate - Cap. 2: 2 - A Ciência da Dedução Pág. 14 / 127

Que ele era capaz de tocar composições musicais difíceis, estava farto de saber, pois, a meu pedido, tocou algumas das Lieder de Mendelssohn, e outras favoritas. Contudo, quando estava sozinho, raramente compunha músicas ou procurava executar uma ária conhecida. Reclinando-se na cadeira de braços, à noite, fechava os olhos e arranhava descuidadamente o violino, que estava sobre os joelhos. Às vezes os acordes eram sonoros e dolentes. De vez em quando eram maravilhosos e alegres. Reflectiam claramente os pensamentos que o dominavam, mas se a música contribuía para aqueles pensamentos ou se a execução era simplesmente o resultado de um capricho ou de uma fantasia, não podia precisar. Talvez me tivesse insurgido contra estes solos exasperadores se não fosse o facto de ele os acabar, geralmente, tocando, numa sucessão rápida, um conjunto de árias minhas favoritas, como uma pequena compensação pela prova à minha paciência.

Mais ou menos durante a primeira semana não tivemos visitas, e começara a pensar que o meu companheiro era um homem tão solitário como eu. Contudo, passado pouco tempo, descobri que tinha muitos conhecimentos, e nas mais diversas classes sociais. Havia um indivíduo baixo, pálido, com cara de rato, olhos escuros, que me foi apresentado como Sr. Lestrade, e que apareceu três ou quatro vezes numa só semana. Uma manhã visitou-nos uma jovem, elegantemente vestida, que se demorou meia hora ou mais. Nessa mesma tarde apareceu um visitante de cabelo grisalho, andrajoso, que se parecia com um vendedor ambulante judeu, que pareceu muito excitado e que era seguido de perto por uma mulher de certa idade, com ar desmazelado. Noutra ocasião avistou-se com o meu companheiro um cavalheiro idoso de cabelo branco; noutra, um empregado dos caminhos-de-ferro de uniforme de belbutina. Quando qualquer destas estranhas pessoas aparecia, Sherlock Holmes costumava tomar a liberdade de se servir da sala de estar, e eu retirava-me para o quarto. Pedia-me sempre desculpa por me dar aquela maçada.





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