- Lembra-se do que Darwin diz da música? Ele afirma que a capacidade de a produzir e a de a apreciar já existiam na raça humana antes de surgir a faculdade da fala. Talvez seja por isso que somos tão subtilmente influenciados por ela. Há recordações vagas nas nossas almas daqueles séculos enevoados em que o mundo era uma criança.
- É uma ideia um pouco vasta - comentei.
- As ideias de uma pessoa devem ser tão amplas como a Natureza, se se destinam a interpretar a Natureza - respondeu ele. - Qual é o problema? Nem parece você. O caso de Brixton Road perturbou-o.
- Para dizer a verdade, perturbou - disse eu. Deveria estar mais calejado depois das minhas aventuras afegãs. Vi os meus camaradas feitos em bocados em Maiwand, sem perder o sangue-frio.
- Compreendo. Há um mistério nisto que estimula a imaginação; onde não há imaginação não há pavor. Viu o jornal da noite?
- Não.
- Faz uma descrição bastante boa do caso. Não faz referência ao facto de que no momento em que o homem foi levantando caiu no chão uma aliança de mulher. Também é justo que a não faça.
- Porquê?
- Olhe para este anúncio - respondeu ele. - Esta manhã mandei um para todos os jornais, logo depois do ocorrido.
Atirou-me o jornal e eu dei uma vista de olhos pelo lugar indicado. Era o primeiro anúncio da coluna dos achados. «Esta manhã em Brixton Road», dizia, «encontrou-se uma aliança lisa, de ouro, no leito da rua entre a White Hart Tavern e Holland Grove. Contactar o Dr. Watson, 221-B, Baker Street, entre as oito e as nove, esta noite.»
- Desculpe por me ter servido do seu nome - disse ele. - Se usasse o meu, alguns destes estúpidos reconhecê-lo-iam e quereriam interferir no assunto.
- Não faz mal - respondi. - Mas supondo que alguém responda, eu não tenho nenhum anel.
- Oh, sim, tem! - disse ele, entregando-me um. - Este serve muito bem. É quase um fac-símile.
- E quem espera que responda a este anúncio?
- Ora, o homem de casaco castanho... o nosso amigo corado, com sapatos de bique iras quadradas. Se não vier, mandará um cúmplice.