Eurico, o Presbítero - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 154 / 186

Colocados na entrada do vale, uma parte dos cavaleiros oferecer-lhes-iam débil resistência, cedendo pouco a pouco e retirando-se para o topo daquela espécie de caldeira cortada nas montanhas: apenas aí chegados, abandonando os ginetes, precipitar-se-iam para a caverna, aonde já se teriam acolhido as mulheres, crianças e velhos dispersos pelas tendas do campo, e em cujo estreito e escarpado portal poucos pelejadores bastavam para resistir à multidão dos inimigos. Então o grosso dos cavaleiros, em cilada nas selvas que se dilatavam para as alturas, à esquerda das gargantas do vale, acometê-los-iam pelas costas, enquanto os bucelários, sumidos pelas penedias, lá no alto dos barrocais que formavam como um muro de ambos os lados do arraial, fariam chover sobre os infiéis as armas de arremesso, sem que a estes fosse possível repeli-los, ignorando os caminhos que conduziam àqueles lugares, na aparência só acessíveis às águias e aos abutres, que ali tinham, de feito, a sua guarida solitária.

— Mas a vós, cavaleiros — concluía Pelágio —, que provastes extremos de esforço na correria a que devo a salvação de minha pobre irmã, a vós pertence o acabar a vitória que o Senhor nos vai dar. Há mais de um ano que as nossas mãos se têm calejado a aluir os penhascos que coroam o tecto desta caverna; há mais de um ano que raro dia se passa sem que o suor das nossas frontes os humedeça, ao arrastarmo-los lentamente para a borda do despenhadeiro que se eleva a prumo sobre o ádito deste recinto. Aí, acompanhados dos meus robustos cântabros e dos bárbaros do Hermínio, será o vosso pelejar: aí, quando os inimigos, apinhados ante aquele portal, se arremessarem contra os guerreiros que o hão-de defender; quando as trombetas dos que os ferirem pelas costas soarem uma toada de morte, e os invisíveis bucelários fizerem chover sobre os infiéis os tiros de funda, as setas e os dardos, cumpre que esses rochedos que, lá no cimo, parecem embebidos na penedia, caiam rapidamente e esmaguem os esquadrões cerrados dos inimigos da Espanha. Pelo caminho talhado na rocha sobre as nascentes subterrâneas do Deva, ireis assentar-vos no cume do Auseba, e o anjo do extermínio pairará junto de vós: sereis a inteligência que guie o duro braço dos cântabros e dos lusitanos para lhes dirigir os golpes, para os reter quando, rareados, confundidos, esmagados os troços da serpente maldita que ousa colear junto de Covadonga, nós pudermos arremessar-nos ao meio deles e fazer cair sobre a cabeça dos pagãos os golpes dos nossos franquisques, não menos destruidores que os rochedos despenhados.





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