— Como assim?! — replicou Sanción, que por vezes estivera a ponto de interromper o mancebo. — Nós, próceres e gardingos; nós, que meneamos a acha de armas e a espada; nós, que trajamos o ferro, combateremos, como os servos e vis, de longe e sem risco? Nós, que por tantas milhas através das serras demos as costas aos infiéis, não poderemos, embebendo-lhes as espadas nos peitos, dizer-lhes enfim: «eis-nos aqui»?... Pelágio, isso é impossível!
— Impossível! — repetiram todos os outros cavaleiros apinhados ao redor de Sanción.
— Impossível é — interrompeu o duque de Cantábria com gesto severo — que haja guerreiros cristãos que recusem obedecer-me, no momento em que se trata, não de ambições de glória, mas da redenção da Espanha. Cavaleiros, o esforço de vossos corações vos engana! Exaustos pela correria da próxima noite, os braços vos desmentiriam o ânimo, e eu não consentirei jamais um sacrifício inútil, quando de outro modo podeis contribuir para salvarmos as Astúrias. Gutislo! — clamou ele aproximando-se da boca da caverna — dize aos teus irmãos do Hermínio que venham aqui e ao quingentário da minha tiufadia que vos siga com os soldados cântabros. Sanción, Gudesteu, Astrimiro, Énecon, vós todos que me cercais, eis ali o vosso caminho! Parti.
E apontava para um lado da gruta, onde quem chegava ao perto via, lá em cima, o céu estrelado, por uma espécie de clarabóia natural, e, quase debaixo dos pés, um como sorvedouro escuro, em cujas profundezas se percebia o ruído das nascentes do Deva. Na circunferência daquele abismo, desde o chão da caverna, os foragidos, aproveitando as escabrosidades das paredes circulares, tinham formado uma escada tosca, ora cavada na pedra, ora firmada sobre troncos de árvores fixos nas fendas e cavidades da rocha, e que, lançada em espiral, saía perto do cimo calvo do Auseba. Assim, quando o vale fosse ocupado dos sarracenos, os cristãos poderiam defender-se por largo tempo, obtendo por esse caminho oculto os socorros dos montanheses.