Eurico, o Presbítero - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 165 / 186

E Hermengarda sentia ao contacto daquela mão fria e trémula apertando a sua, no acento dessas frases, tempestuosas como o oceano, tristes como céu proceloso, que lá, no peito do vulto que tinha ante si, havia um coração de homem vivo, onde chaga antiga e cancerosa vertia ainda sangue.

A espécie de pesadelo em que se debatia desaparecera com a realidade. O repentino impulso da sua alma foi lançar-se nos braços de Eurico. Fora ele o objecto do seu quase infantil e único amor, amor condenado ao silêncio antes do primeiro suspiro, antes do primeiro volver de olhos; era ele o cavaleiro negro, cujo nome se tornara conhecido e glorioso por todos os ângulos da Espanha; era ele, finalmente, o homem que duas vezes acabava de salvá-la. Reteve-a, todavia, o pudor e, talvez, aquela misteriosa tristeza que escurecia as ideias desordenadas vindas de tropel aos lábios do guerreiro. Procurando asserenar a violência dos afectos que a agitavam, Hermengarda respondeu com uma voz fraca e trémula:

— Bendita a mão do Senhor, que te salvou, Eurico, leal e nobre entre os mais nobres e leais filhos dos Godos! Graças à piedade do céu, que por meio de tantas desventuras e perigos nos uniu nos paços que restam ao filho do duque de Cantábria! No devanear do terror revelei-te, sem querer, o segredo do meu coração: a sua história, ouviste-a. Perdoa à memória de meu pai, e, se de mim depende a tua felicidade, as palavras que me saíram involuntariamente da boca te asseguram que serás feliz. O orgulho que a ambos nos fez desgraçados não o herdou Pelágio. Que o herdasse, mal caberia nestas brenhas, na caverna dos fugitivos. E depois, que nome há hoje na Espanha mais ilustre que o do cavaleiro negro, o nome de Eurico? Morreres?!... Oh, não! Salvaste Hermengarda do opróbrio: se nunca te houvera amado, ela te diria como te diz hoje: sou tua, Eurico!





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