Inferno - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 11 / 102

Libertou a sombra do nosso pai primeiro, a de seu filho Abel e a de Noé; e a de Moisés, legislador e obediente; a de Abraão, o patriarca, e a do rei David; Israel, com seu pai e descendentes e com Raquel, pela qual tanto fez; e muitos outros. Concedeu-lhes a bem-aventurança e mister é que saibas que, antes deles, nenhum espírito humano fora salvo.»

Nem por ele falar deixávamos de andar, continuando a atravessar a selva; a serva, digo, de espíritos pejada. Não nos agastáramos muito ainda do lugar onde acordara, quando vi um fogo que brilhava em torno de um hemisfério de trevas. Um pouco longe escavamos ainda, mas não tanto que me não apercebesse em parte da gente ilustre que no lugar vivia.

«O tu, que honras toda a ciência e toda a arte, quem são estes, que da honra gozam de não serem tratados como os outros?» E ele tornou: «A sua fama é tanta que ressoa no mundo onde tu vives e no Céu lhes ganha a graça que destarte os distingue.» Entretanto ouvi uma voz que isto me disse: «Honra ao altíssimo poeta: regressa a sua sombra, que havia partido.» Depois, quando tal voz se extinguiu, vi quatro grandes sombras para nós avançarem, de semblantes nem tristes nem alegres.

Começou a dizer o meu bom mestre: «Olha aquele, de espada na mão, que diante dos outros três vem como senhor: é Homero, poeta soberano; a seguir é Horácio, o sátiro, que vem; o terceiro é Ovídeo, e o ultimo Lucano. A cada um deles o título convém com que a uma sã voz me distinguiram. Com isso me honrariam e bem fazem.»

Assim vi reunir-se a escola insigne daquele mestre tio altíssimo canto que acima dos outros via, como a águia. Depois de entre eles terem conversado um pouco, para mim se voltaram com uma saudação que ao meu mestre fez sorrir. E ainda mais me honraram, pois acolheram-me em seu seio, assim passando a ser o sexto entre tanto saber. Destarte caminhamos em direcção ao fogo, falando de coisas que melhor é calar, como bom era altar delas falar.





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