Calados, sozinhos e sem mais companhia, íamos um atrás do outro, como os frades menores costumam caminhar. A rixa a que assistira à mente me trazia a fábula em que Esopo falava do rato e da rã', pois neste momento e já não se parecem mais do que uma e outra se parecem, se bem ligarmos o principio e o fim com atenção. E, como um pensamento engendra outro, assim àquele um outro se seguiu que redobrou o meu medo primitivo. Pensava eu: «Estes, por mor de nós, foram logrados com tal dano e zombaria que creio bem ressentidos estejam; se a cólera à malevolência neles se juntar, perseguir-nos-ão mais cruelmente que o cão à lebre que nos dentes leva.»
Sentia já todo eriçado o cabelo, de medo, e ia olhando para trás, quando disse: Amestre, se a ti e a mim rapidamente não ocultas, receio os Malebranche; já os temos na nossa peugada e de tal modo o imagino que desde já os oiço.» E ele tornou: «Se eu fosse feito de vidro espelhado, a tua imagem exterior em mim se não reflectiria tão depressa como a interior em mim imprimo. Agora unem-se os teus aos meus pensamentos, com a mesma forma e a mesma substância; assim, de entre ambos deduzo um só conselho. Se permitir a vertente que à direita temos que ao outro fosso possamos baixar fugiremos da imaginada perseguição.»
Não acabava de tal conselho dar, quando os vi que se acercavam, não muito longe, querendo aprisionar-nos. O meu guia prontamente me agarrou, como a mãe que com o ruído desperta e, ao ver junto de si ardentes chamas, pega no filho e foge sem deter-se, mais cuidando por ele que por si, a tal ponto que nem uma camisa enverga, e da borda da dura margem deixou-se deslizar pela rocha pendente que cerca um dos lados do seguinte fosso.