Inferno - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 9 / 102

Mas aquelas almas, nuas e abatidas, mudaram de cor e bateram os dentes mal ouviram tais cruéis palavras. Blasfemavam de Deus e dos seus pais, da espécie humana, do tempo e do lugar em que haviam nascido, da prole que haviam gerado. Depois, todos se juntaram, em lágrimas lavados, à beira do rio maldito que espera todos os que a Deus não temem. Caronte, demónio de olhos abrasados, por gestos os manda entrar a todos e com o remo bate nos que se acomodam. Como no Outono as folhas caem, uma após outra, até que o ramo vê por terra todos os despojos seus, da mesma maneira os condenados filhos de Adão um a um obedeceram aos sinais do barqueiro como as aves ao chamariz respondem.

E assim se vão pelas escuras ondas e, antes de a outra margem atingirem, outras multidões se juntam nesta. «Meu filho», disse o mestre amavelmente, «os que morreram na ira de Deus aqui se juntam vindos de todas as partes do mundo e aprestam-se a atravessar o rio porque de tal modo os impele a justiça divina que o seu temor em ansia se converte. Jamais passou uma alma boa por aqui; portanto, se de ti Caronte se queixou, poderás agora ver o sentido do que disse.»

Em seguida, aquele campo opaco tremeu tão fortemente que a lembrança do susto me enche ainda a testa de suor. Da terra em prantos alagada soltou-se um vento que fez relampejar uma luz rubro, que me fez perder o dom dos sentidos e cair como homem vencido pelo sono.
 





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