1984 - Cap. 12: Capítulo XII Pág. 145 / 309

E aqui temos um pão - um pão branco, decente, não aquela broa insossa - e uma latinha de geleia. Uma lata de leite... e olha! Disto eu me orgulho. Tive de enrolá-lo numa estopa, Porque...

Mas não era preciso explicar porque o enrolara. O aroma já enchia o quarto, um aroma rico e convidativo, que lhe parecia uma emanação da meninice, mas que de vez em quando ainda sentia, propagando-se por um corredor antes de uma porta bater, ou espalhando-se misteriosamente numa rua cheia de gente; um cheiro olfateado uns segundos e depois perdido de novo.

- É café - murmurou Winston. - Café de verdade.

- Café do Partido Interno. Um quilo inteiro aqui.

- Como conseguiste arranjar tudo isto?

- É tudo para o Partido Interno. Não há nada que aqueles suínos não tenham. Nada. Mas naturalmente os garçons e os empregados afanam as coisas e... olha, trouxe também um pacotinho de chá.

Winston acocorara-se ao pé de Júlia. Rasgou um bico do pacote.

- Chá mesmo. Não são folhas de amora.

- Tem rodado muito chá por aí. Capturaram a Índia, sei lá - explicou ela, vagamente. - Mas escuta, querido. Quero que me dês as costas três minutos. Vai sentar do outro lado da cama. Não chegues à janela. E não olhes enquanto eu não te disser.

Winston ficou a olhar, distraído, através da cortina de musselina. Lá no pátio a mulher dos braços avermelhados continuava marchando da tina para o varal, e vice-versa. Tirou dois prendedores de roupa da boca e cantou com profundo sentimento:

«Dizem que o tempo tudo cura,

Dizem que sempre se pode esquecer,

Mas os sorrisos e lágrimas, anos a fio,

Ainda fazem meu coração sofrer.»

Sabia de cor a estúpida canção.





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