Mas não era preciso explicar porque o enrolara. O aroma já enchia o quarto, um aroma rico e convidativo, que lhe parecia uma emanação da meninice, mas que de vez em quando ainda sentia, propagando-se por um corredor antes de uma porta bater, ou espalhando-se misteriosamente numa rua cheia de gente; um cheiro olfateado uns segundos e depois perdido de novo.
- É café - murmurou Winston. - Café de verdade.
- Café do Partido Interno. Um quilo inteiro aqui.
- Como conseguiste arranjar tudo isto?
- É tudo para o Partido Interno. Não há nada que aqueles suínos não tenham. Nada. Mas naturalmente os garçons e os empregados afanam as coisas e... olha, trouxe também um pacotinho de chá.
Winston acocorara-se ao pé de Júlia. Rasgou um bico do pacote.
- Chá mesmo. Não são folhas de amora.
- Tem rodado muito chá por aí. Capturaram a Índia, sei lá - explicou ela, vagamente. - Mas escuta, querido. Quero que me dês as costas três minutos. Vai sentar do outro lado da cama. Não chegues à janela. E não olhes enquanto eu não te disser.
Winston ficou a olhar, distraído, através da cortina de musselina. Lá no pátio a mulher dos braços avermelhados continuava marchando da tina para o varal, e vice-versa. Tirou dois prendedores de roupa da boca e cantou com profundo sentimento:
«Dizem que o tempo tudo cura,
Dizem que sempre se pode esquecer,
Mas os sorrisos e lágrimas, anos a fio,
Ainda fazem meu coração sofrer.»
Sabia de cor a estúpida canção.