A voz subia, boiando no doce ar estival, muito afinada, carregada de uma espécie de feliz melancolia. Tinha-se a impressão de que ficaria perfeitamente contente se a noite de junho fosse infindável, e inesgotável o monte de roupa suja, para ficar ali mil anos, pendurando fraldas no varal e cantarolando bobagens. E Winston achou curioso o fato de nunca ter ouvido um membro do Partido cantar a sós, espontaneamente. Isso teria parecido ligeiramente ortodoxo, uma excentricidade perigosa, como falar sozinho. Talvez fosse apenas quando as pessoas estão próximas da fome que sentem desejo de cantar.
- Já podes virar - disse Júlia.
Ele voltou-se e, por um segundo, quase não pôde reconhecê-la. Francamente, esperara vê-la nua. Mas Júlia não estava nua. Operara uma transformação muito mais surpreendente. Pintara o rosto. Devia ter ido a uma loja do bairro proletário e comprado um jogo completo de cosmética. Passara batom forte nos lábios, ruge nas faces, pó de arroz no nariz; até havia, em torno dos olhos, um toque de tinta que os realçava. A maquilhagem não fora bem-feita, mas nesse particular Winston não tinha grandes exigências. Não havia nunca visto ou imaginado uma mulher do Partido usando cosméticos. Era espantosa a melhora do seu aspeto. Com uns retoques de cor aqui e ali Júlia não apenas se fizera muito mais bonita como, sobretudo, mais feminina. O cabelo curto e o macacão masculinizante apenas davam destaque a esse efeito. Quando a tomou nos braços, uma onda de violeta sintética lhe invadiu as narinas. Lembrou-lhe a semi-escuridão de uma cozinha no subsolo e a boca cavernosa de uma mulher. Era o mesmo cheiro; mas não importava.
- E perfume, também!
- Sim, querido.