Winston não se lembrava de ter visto um corredor cujas paredes não fossem marcadas da sujeira do contacto de corpos humanos.
O'Brien tinha um pedaço de papel entre os dedos e parecia estudá-lo atentamente. O rosto largo, inclinado de modo que se podia ver a linha do nariz, parecia ao mesmo tempo formidável e inteligente. Durante talvez vinte segundos ele continuou imóvel. Depois puxou o falascreve para perto e ditou um recado no jargão híbrido dos Ministérios:
- Itens um vírgula cinco vírgula sete aprovados completos ponto sugestão contida item seis dupliplus ridícula quase crimideia cancelar pontos incontinuar construtivo anteobtendo pluscompleto orçamento máquinas extracustos ponto fim mensagem.
Levantou-se deliberadamente da cadeira e aproximou-se deles, sem ruido, andando pelo tapete espesso. Com as palavras em Novilíngua, parecia ter deixado para trás um pouco da sua atmosfera oficial, porém a sua catadura era mais fechada do que de costume, como se estivesse aborrecido com a interrupção. Ao terror que Winston já sentia misturou-se de repente um traço de embaraço comum. Pareceu-lhe perfeitamente possível que houvesse cometido um erro estúpido. Na verdade que prova tinha de que O'Brien fosse um conspirador político? Nada, além de uma chispa no olhar e uma única observação equívoca: fora isso, só a sua imaginação secreta, fundada num sonho. Não podia ao menos fingir que fora pedir o Dicionário emprestado, pois nesse caso seria impossível explicar a presença de Júlia. Quando O'Brien passou pela teletela, um pensamento pareceu vir-lhe à mente. Deteve-se, voltou-se e apertou um comutador na parede. Houve um estalido seco e a voz parou.
Júlia soltou uma pequena exclamação, uma espécie de guincho de surpresa.