Mesmo em meio ao seu pânico, Winston ficou tão admirado que não pôde deixar de exclamar:
- Desligou a teletela!
- Sim - disse O'Brien - desliguei. Nós temos esse privilégio.
Estava na frente deles. O corpanzil sólido dominava o casal, e a expressão fisionômica continuava indecifrável. Estava esperando, severo, que Winston falasse, mas de quê?
Era bem concebível que não passasse de um homem ocupado, surpreendido e irritado com a interrupção. Ninguém falou. Depois de calar-se a teletela a sala parecia quieta como um túmulo. Os segundos passaram, enormes. Com dificuldade, Winston continuava a fixar seus olhos nos de O'Brien. De repente, a carranca se dissolveu no que poderia ser o começo dum sorriso. Com seu gesto característico, O'Brien recolocou os óculos no nariz.
- Falo eu, ou falas tu?
-Eu falo - ofereceu-se Winston prontamente. - Aquilo está mesmo desligado?
- Está. Tudo desligado. Estamos sós.
- Viemos aqui porque... - Fez uma pausa, percebendo pela primeira vez como eram vagos os seus motivos. Como não sabia que espécie de auxílio esperava de O'Brien, não era fácil dizer a que fora. Continuou, consciente de que suas palavras deviam parecer fracas e pretensiosas: - Acreditamos que existe alguma conspiração, alguma organização secreta trabalhando contra o Partido, e que estás envolvido nela. Queremos também trabalhar nela. Somos inimigos do Partido. Não acreditamos nos princípios do Ingsoc. Somos ideocriminosos. Também somos adúlteros. Conto tudo isto porque queremos nos entregar à tua mercê. Se queres incriminar-nos de qualquer outra forma, estamos prontos.
Calou-se e olhou sobre o ombro, com a impressão de que a porta se abrira. De fato, o criado de cara amarela surgira sem bater.