1984 - Cap. 17: Capítulo XVII Pág. 224 / 309

Mesmo no emprego da palavra duplipensar é necessário duplipensar. Pois, usando-se a palavra admite-se que se está a mexer na realidade; é preciso um novo ato de duplipensar para apagar essa perceção e assim por diante, indefinidamente, a mentira sempre um passo além da realidade. Em última análise, foi por meio do duplipensar que o Partido conseguiu - e, tanto quanto sabemos, continuará, milhares de anos - deter o curso da história. No passado, as oligarquias caíram do poder por se ossificarem ou se amolecerem. Ou se tornaram estúpidas e arrogantes, deixando de se ajustar às novas circunstâncias, e foram derribadas; ou se tornaram liberais e covardes, fizeram concessões quando deviam ter usado força, e por isso foram apeadas do poder. Em outras palavras, caíram pela consciência ou a inconsciência. A grande obra do Partido é ter produzido um sistema de pensamento no qual ambas as condições podem coexistir. Não poderia ser permanente o domínio do Partido em nenhuma outra base intelectual. Para se dominar, e continuar dominando, é preciso deslocar o sentido de realidade. Pois o segredo do mando é combinar a crença na própria infalibilidade com a capacidade de aprender com os erros anteriores.

Não há quase necessidade de dizer que os mais sutis praticantes do duplipensar são os que o inventaram e sabem que é um vasto sistema de fraude mental. Em nossa sociedade, os que têm o melhor conhecimento do que sucede são também os que estão mais longe de ver o mundo tal qual é. Em geral, quanto maior a compreensão, maior a ilusão: quanto mais inteligente, menos ajuizado. Nítida ilustração desta afirmativa é o fato da histeria de guerra aumentar de intensidade à medida que se sobe na escala social.





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