1984 - Cap. 18: Capítulo XVIII Pág. 242 / 309

Desta vez Winston ficou tão assombrado que esqueceu suas mazelas.

- Tu aqui! - exclamou.

Parsons lançou a Winston um olhar em que não havia nem interesse nem surpresa, mas apenas aflição. Pôs-se a andar nervoso para um lado e outro, evidentemente incapaz de ficar imóvel. Cada vez que endireitava os joelhos gorduchos via-se que tremiam. Tinha os olhos arregalados, como se não conseguisse desviar a vista de alguma coisa à distância.

- Por que te trouxeram? - perguntou Winston.

- Crimideia! - respondeu Parsons, quase soluçando.

O tom de sua voz implicava ao mesmo tempo completa admissão de culpa e uma espécie de horror incrédulo de que tal palavra pudesse aplicar-se a ele. Parou diante de Winston e pôs-se a apelar para ele, ansioso:

- Achas que me fuzilam, hein, velhinho? Não fuzilam a gente que não fez nada mal, hein... só pensou, e quem segura o pensamento? Sei que fazem justiça. Oh, eu tenho confiança na justiça! Conhecem a minha ficha, não conhecem? Tu sabes quem eu era. Não era mau sujeito. Não tinha muita inteligência, mas tinha boa vontade. Fazia o que podia pelo Partido, não fazia? Será que me livro com cinco anos? Ou dez? Um sujeito como eu podia ser muito útil num campo de trabalhos. Achas que me fuzilam por ter descarrilado uma vez só?

- És culpado?

- Naturalmente sou! - gritou Parsons, com uma olhadela servil à placa de metal. - Não crês que o Partido prenda inocentes? - A cara de rã acalmou-se um pouco, chegou a tomar uma expressão sentimonial. - Crimideia é uma coisa horrível, velho - afirmou, sentencioso. - É insidiosa. Pode-te pegar sem que te dês conta. Sabes como foi que me pegou? No sono. Sim, é fato. Lá estava eu, trabalhando duro, procurando fazer meu dever, sem nunca saber que tivesse nada de mau na cabeça.





Os capítulos deste livro