E daí comecei a falar enquanto dormia. Sabes o que me ouviram dizer?
Baixou a voz, como alguém que se vê obrigado a pronunciar uma obscenidade, por ordem do médico ou do juiz.
- Abaixo o Grande Irmão! Sim, foi o que eu disse. E disse muitas vezes, ao que parece. Cá entre nós, meu velho, ainda bem que me pegaram antes que fosse além. Sabes o que vou dizer a eles quando comparecer no tribunal? "Obrigado," direi, "obrigado por me salvarem antes que fosse tarde demais."
- Quem te denunciou? - perguntou Winston.
- Minha filhinha - respondeu Parsons, com uma espécie de melancólico orgulho. -Escutou pelo buraco da fechadura. Ouviu o que eu disse e contou às patrulhas no dia seguinte. Sabidinha aquela guria de sete anos, hein? Não me queixo dela. Com efeito, tenho orgulho dela. Mostra, afinal, que lhe ensinei o que devia. Deu mais algumas passadas para um lado e outro, olhando várias vezes a privada, de soslaio. De repente, arriou os calções.
- Desculpe, velho. Não posso mais. É a espera.
Pousou o volumoso traseiro no vaso da privada. Winston cobriu o rosto com as mãos.
-Smith! - gritou a voz da teletela. - 6079 Smith W! Descobre o rosto! Nada de esconder o rosto! Winston descobriu o rosto. Parsons usou o lavatório, ruidosa e abundantemente. Verificou-se depois que a descarga estava defeituosa, e a cela fedeu abominavelmente durante muitas horas.
Parsons foi removido. Outros presos chegaram e partiram misteriosamente. Uma presa foi destinada à "Sala 101" e pareceu encolher-se e mudar de cor quando ouviu a ordem. Chegou um momento em que, se o tivessem levado ali de manhã, seria de tarde; se o tivessem levado de tarde seria meia-noite. Havia na cela seis presos, entre homens e mulheres.