- Mas o universo inteiro está fora de nós. Considera as estrelas. Algumas estão a um milhão de anos-luz de distância. Estão para sempre fora de nosso alcance.
- Que são estrelas? - indagou O'Brien, indiferente. - São pedacinhos de fogo a alguns quilômetros de distância. Poderíamos alcançá-las, se quiséssemos. Ou poderíamos apagá-las. A terra é o centro do universo. O sol e as estrelas giram em torno dela.
Winston fez outro movimento convulso. Desta vez porém não disse nada. O'Brien continuou, como se respondesse a uma objeção falada:
- Naturalmente, isso não é verdade, para certos propósitos. Quando navegamos no oceano, ou quando predizemos um eclipse, muita vez nos convém supor que a terra rode em torno do sol e que as estrelas estão a milhões e milhões de quilômetros de distância. E daí? Imaginas que não podemos produzir um sistema dual de astronomia? As estrelas podem estar longe ou perto, conforme precisarmos. Supões que os nossos matemáticos não dão conta do recado? esqueceste do duplipensar?
Winston encolheu-se na cama. Dissesse o que dissesse, a pronta resposta esmagava-o como uma paulada. E no entanto sabia, sabia que tinha razão. A teoria de que nada existe fora da mente humana - com certeza havia um meio de demonstrá-la falsa? Não fora denunciada e provada falsa, havia muito tempo? Isso até tinha um nome, que ele esquecera. Um vago sorriso animou as comissuras dos lábios de O'Brien, que voltara a fitá-lo:
- Eu disse-te, Winston, que a metafísica não era o teu forte. A palavra que estás procurando encontrar é "solipsismo".