1984 - Cap. 21: Capítulo XXI Pág. 288 / 309

Nós é que imaginamos. É uma alucinação." Fez o pensamento afundar instantaneamente. Era óbvia sua falácia. Pressupunha a existência, nalguma parte, fora do indivíduo, de um mundo "real" onde coisas "reais" acontecessem. Mas como poderia existir esse mundo? Que sabemos das coisas, exceto através de nossa mente? Tudo que acontece, acontece na cabeça. E o que acontece em todas as mentes, de facto acontece.

Não teve dificuldade em eliminar a falácia, e não corria risco de sucumbir. Não obstante, percebia que não lhe devia ter ocorrido. O cérebro devia formar um ponto cego sempre que se apresentasse um pensamento perigoso. O processo devia ser automático, instintivo. Crimedeter, era o seu nome em Novilíngua.

Pôs-se a exercitar-se em crimedeter. Apresentava a si próprio proposições - "o Partido diz que a terra é plana," "o Partido diz que o gelo é mais pesado que a água," - e treinava para não ver ou não compreender os argumentos que as contradiziam. Não era fácil. Necessitava grandes recursos de raciocínio e improvisação. Os problemas aritméticos provocados por uma afirmativa como por exemplo "dois e dois são cinco", estavam fora da sua compreensão intelectual. Precisava também de uma espécie de atletismo da mente, da habilidade de num momento fazer o uso mais delicado da lógica e, no momento seguinte, ser inconsciente dos mais brutais ilogismos. A estupidez era tão necessária quanto a inteligência, e igualmente difícil de se conquistar.

Durante todo tempo, uma parte do seu espírito se indagava quando o matariam. "Tudo depende de ti" dissera O'Brien; mas sabia não haver ato consciente pelo qual aproximasse o fim. Poderia ser dali a dez minutos, ou dez anos. Poderiam metê-lo numa solitária, poderiam mandá-lo a um acampamento de trabalhos forçados, poderiam soltá-lo algum tempo como às vezes faziam.





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