Eurico, o Presbítero - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 140 / 186

E Hermengarda sentia uma ânsia de se atirar àquela voragem; uma como atracção magnética, voluptuária, indizível, a favor da qual lutava um sentimento misterioso e vago, mas que nem por isso era menos ardente, ao mesmo tempo que alma e corpo a repeliam pelo instinto e pelo amor da vida. Com as mãos contraídas, a fronte pendida e o olhar incerto de um moribundo, a donzela parecia haver sido petrificada no momento em que dera a primeira passada para transpor essa meta, além da qual, unicamente, existia a esperança.

Observando o gesto da irmã de Pelágio, Gudesteu viu que um instante bastaria para aniquilar o fruto dos perigos até aí corridos. Mais de uma vez, antes que se habituasse à sua vida de foragido, passando pelas bordas dos fojos, pelas quinas dos precipícios, ele próprio sentira essa fascinação do terror, esse magnetismo da morte que costuma subjugar-nos e atrair-nos quando pelas primeiras vezes nos achamos sobranceiros a algum abismo; sentimento de voluptuosidade dolorosa, que, paralisando-nos os movimentos, porque dobra em nós o terror, nos salva, talvez, do suicídio, ao mesmo tempo que para ele nos convida com atractivo inexplicável.

O cavaleiro, segurando violentamente o braço da donzela, desfez aquela espécie de encanto fatal, obrigando-a a recuar alguns passos. Então Hermengarda, como se acordasse de um sonho, murmurou: «Não posso!» E soluçava, e as lágrimas rolavam-lhe abundantes pelas faces macilentas. Em tremor convulso, os joelhos vergavam- -lhe, e teria caído por terra, se Gudesteu não a houvera retido.

Astrimiro, que vira o movimento do seu companheiro, atravessou de novo a arriscada passagem. Um pensamento horrível passou a ambos pelo espírito: era que os árabes podiam chegar! Encararam-se mutuamente, e cada um deles notou que o outro tinha o gesto demudado. Gudesteu, volvendo a cabeça, lançou os olhos para a selva de que haviam saído, porque lhe parecera ouvir um rumor abafado. Astrimiro, que crerá ouvir o mesmo, correu de novo ao valo.





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