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Capítulo 16: Capítulo 16

Página 139

Firmando-se, todavia, no braço de Gudesteu, encaminhou-se para o terreirinho exterior que se abria além dos valos sobre a torrente. Aí, antes de chegar ao temeroso trânsito, ajoelhou e, alevantando as mãos e os olhos ao céu, nem sequer se lhe viam mover os lábios, embebida em oração fervorosa e íntima. Com os seus trajas brancos e em completa imobilidade, dir-se-ia que era um destes anjos curvados sobre os lódãos de capitel gótico, que, no frontispício de catedral, parecem ser o símbolo da morada das preces, se os primeiros raios do Sol, cujo orbe mal despontava detrás das colinas, não revelassem nela a vida, cintilando-lhe nos cabelos dourados e no véu de duas lágrimas que lhe ofuscava os olhos e começava a deslizar-se-lhe em dois fios brilhantes ao longo das faces, onde o rubor da febre rompia por entre a palidez, como as papoulas rompem no meio da seara madura.

Depois de alguns instantes, alevantou-se de novo e encaminhou- se para o roble, cujo topo monstruoso se assemelhava à cabeça calva de um gigante que, inteiriçado, fincasse os pés na outra riba. Gudesteu seguia-a de perto, estendendo os braços involuntariamente, como querendo sustê-la, enquanto Astrimiro, também por movimento maquinal, em pé sobre as raízes torcidas da árvore e curvando-se para diante, lhe oferecia a mão robusta, como se a distância lhe permitisse alcançá-la.

No momento em que já punha o pé sobre o tronco, o reflexo alvacento da escuma, que fervia lá em baixo, no meio do crepúsculo frouxo do córrego profundo, e o estrépito da torrente, espadanando por entre os musgos e limos estampados nos panos irregulares do despenhadeiro, fizeram abaixar os olhos a Hermengarda para o abismo, como fascinação irresistível, como conjuro diabólico. Cravados naquele horrendo espectáculo, fitos, espantados, ela não podia despregá-los desse caos infernal das águas, que, redemoinhando ou jorrando contra os rochedos, ora negrejavam, precipitando-se compactas para diante, ora, repelidas, despedaçadas em ondas de escuma, repuxando cruzadas no ar ou espalmando-se nas faces da penedia, misturavam no seu confuso soído um murmurar e rugir como de dor, de cólera, de desesperação, de agonia, que vozes humanas não saberiam ajuntar e que só pode ser semelhante ao concerto de blasfémias dos condenados, entoando o hino atroz das eternas maldições contra Deus.

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Capa do livro Eurico, o Presbítero
Páginas: 186
Página atual: 139

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 4
Capítulo 3 7
Capítulo 4 12
Capítulo 5 18
Capítulo 6 22
Capítulo 7 28
Capítulo 8 32
Capítulo 9 46
Capítulo 10 55
Capítulo 11 63
Capítulo 12 71
Capítulo 13 90
Capítulo 14 105
Capítulo 15 121
Capítulo 16 134
Capítulo 17 148
Capítulo 18 158
Capítulo 19 171
Capítulo 20 176