Eurico, o Presbítero - Cap. 20: Capítulo 20 Pág. 177 / 186

Qual é a causa disto?

É que nós conhecemos a vida pública dos Visigodos e não a sua vida íntima, enquanto os séculos da Espanha restaurada revelam-nos a segunda com mais individuação e verdade que a primeira. Dos Godos restam-nos códigos, história, literatura, monumentos escritos de todo o género, mas os códigos e a literatura são reflexos, mais ou menos polidos, das leis e erudição do Império Romano, e a história desconhece o povo. O goticismo espanhol, ao primeiro aspecto, parece mover-se. Palpamo-lo: é uma estátua de mármore, fria, imóvel, hirta. As portas das habitações dos cidadãos cerram-nas os sete selos do Apocalipse: são a campa da família. A família goda é para nós como se nunca existira.

Não cabe numa nota o fazer sentir esse não sei quê de majestade escultural que conserva sempre a raça visigótica, por mais que tentemos galvanizá-la, nem o contrapor-lhe as gerações, nascidas durante a reacção contra o islamismo, que surgem e agitam-se e vivem quando lhes aplicamos a corrente eléctrica e misteriosa que, partindo da imaginação, vai despertar os tempos que foram do seu calado sepulcro.

 Desta diferença, que é mais fácil sentir que definir, nasce a necessidade de estabelecer uma distinção nas formas literárias aplicadas às diversas épocas da antiga Espanha, a romano-germânica e a moderna.

O período visigótico deve ser para nós como os tempos homéricos da Península. Nos cantos do presbítero tentei achar o pensamento e a cor que convêm a semelhante assunto, e em que cumpre predominam o estilo e formas da Bíblia e do Eda — as tradições cristãs e as tradições góticas, que, partindo do Oriente e do Norte, vieram encontrar-se e completar-se, em relação à poesia da vida humana, no extremo Ocidente da Europa.





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