Eurico, o Presbítero - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 80 / 186

— Cremilde — disse Atanagildo em voz baixa —, é necessário valor! Dentro de poucas horas sobre os muros do Mosteiro da Virgem Dolorosa estará hasteado o pendão dos infiéis, e eu terei deixado de existir, porque jurei sobre a cruz desta espada ficar sepultado debaixo das ruínas dele. O exército dos árabes é irresistível, e a única esperança que me resta é que o Senhor aceitará o meu sangue, derramado em seu nome, como um testemunho da minha fé.

— Os infiéis — acudiu a abadessa, procurando dar às palavras que proferia um tom de firmeza que o trémulo da voz lhe desmentia — contentar-se-ão, talvez, com as riquezas aqui amontoadas imprudentemente e com a posse destes lugares. Se é isto o que pretendem, saiamos e cedamos ao culto ímpio de Mohammed o templo de Deus vivo, já que para o salvar seria inútil todo o sangue que se vertesse. Com as virgens esposas do Senhor buscarei os ermos das serras do Norte, e, como as monjas primitivas, aí acharemos a paz e o repouso, enquanto o pai celestial nos não chama à nossa verdadeira pátria.

— Prouvera a Deus, venerável Cremilde — tornou o quingentário —, que nos fosse lícito desamparar estes muros: deixar só entregues às profanações dos infiéis a pedra e o cimento! Mas uma atroz mensagem acaba de me ser mandada por quem, como eu, devia horrorizar-se dela. Repeli-a, porque se me ofereciam vida e honras a troco de perpétua infâmia. Agora resta-me unicamente morrer como godo e como soldado da Cruz.

— E qual era essa mensagem? — perguntou a abadessa ansiosamente. — Em nome de quem vinha ela?

— Do bispo de Híspalis e do conde de Septum; de um sacerdote e de um nobre. O preço da nossa liberdade era a prostituição das vossas filhas queridas, das monjas consagradas à Virgem Dolorosa, que esses mal-aventurados destinam para saciar as paixões brutas daqueles a quem venderam a terra de Espanha. Para o obter cumpre-lhes, porém, passar por cima dos membros despedaçados dos guerreiros que povoam estas muralhas. Pela Cruz assim o juramos todos. Havemos de cumpri-lo.





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