O Retrato de Ricardina - Cap. 19: CAPÍTULO XIX - TÁBUA DE SALVAÇÃO Pág. 123 / 178

As lágrimas das pecadoras, sem exceção das contritas, são peste. Ricardina contou sua vida à brasileira. Quando não podia falar, soluçava. Era então que ela sentia o calor de outro coração, e ouvia as palavras "desgraçada menina!”. Não há aí maior nem mais rara consolação que mulher criminosa e sem família encontrar alma estranha que a console!

Recolheu-se, uma tarde, o capelão e disse-lhe:

- Sr.ª D. Ricardina, consegui a sua entrada no Recolhimento de S. Cristóvão.

- Não vou - respondeu a senhora.

- Não vai?!

- Não.

- Então que há de ser de si?

- O que Deus quiser. A minha irmã que me desampare... Eu não lhe pedi nada. Expulsaram-me... obedeci.

- Mas a senhora está sem amparo de alguém.

- Paciência. A morte é amparo... - disse Ricardina.

O capelão noticiou a Luís Pimentel a rebeldia da sua cunhada. Reuniu-se a família, tirante Eugénia, cuja tristeza e compaixão da irmã despraziam ao sogro. Deliberaram avisar o abade, menos por deferência que por medo. O padre Leonardo Botelho de Queirós respondeu que não conhecia a pessoa de quem lhe falavam; que tivera duas filhas; mas que ambas eram já mortas e esquecidas.

Os Pimenteis não replicaram. Investiram o seu capelão de autoridade para abrir mão do negócio do recolhimento e dizer à Sr.ª D. Ricardina que continuasse a dispor da sua vontade própria; que eles declinavam sobre ela a responsabilidade das consequências. Assim lho transmitiu fielmente o capelão, juntando da sua lavra um malogrado discurso sobre a contumácia do vício, e uma não menos gorada declamação profética das supervenientes desgraças da perdida senhora.

O profeta fez sorrir uma das testemunhas do seu zelo: era a viúva brasileira.

- A senhora ri-se? - exclamou o clérigo, pasmado do descoco.





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