CAPÍTULO XXII - OS “DEZ-RÉIS” DA VISCONDESSA Instigado pela curiosidade, Alexandre Pimentel levantou os olhos para o primeiro andar da viscondessa da Gandarela, na Rua de S. Francisco. A viúva assim que deu tino do olhar petulante do desconhecido, voltou o rosto de golpe com um sobrecenho entediado da ousadia.
O escritor entendeu que ultrajara os duzentos contos daquela senhora, e a si mesmo se foi repreendendo. Quando saiu da Biblioteca, viu a viscondessa na sacada ao mesmo tempo que uma mendiga, com um filho no braço esquerdo, e outro pela mão, e mais dois aconchegados do seu capote esfarrapado, pedia esmola à fidalga. A vinte passos de distância, viu Alexandre retrair-se da janela o formoso osso dos cem cães na linguagem apologética do seu conhecido.
- O enojo chegou a ódio - disse ele consigo, julgando que a viscondessa fugira da janela para não ser segunda vez insultada pelo olhar fixo de um pobre diabo.
Ao avizinhar-se, porém, viu-a reaparecer, atirar à pobre uma moeda de dez-réis, e recolher-se fechando as portadas. A moeda, remessada à toa, rolou pela rua, e foi bater e parar aos pés do escritor. Alexandre abaixou-se, apanhou-a levou a mão à algibeira, deixou ficar a moeda, e foi depor na mão do filhinho, que a pobre tinha ao colo, uma libra. A mendiga esbugalhou os olhos e exclamou:
- Que é isto, meu senhor?
- É a esmola que lhe atirou a Sr.ª Viscondessa da Gandarela.
- É impossível, meu senhor! - disse a pedinte. - A fidalga nunca me dá senão dez-réis!
Alexandre seguiu seu caminho, dizendo entre si:
- Quem tem duzentos contos dá de esmola dez-réis a uma pobre que é mãe de quatro filhos!
E orvalharam-se-lhe de consolativas lágrimas os olhos. A mendiga aproximou-se do portão, e perguntou a um criado de casaco de galões verdes se a fidalga lhe deitaria uma libra por engano.