CAPÍTULO XV - COMO O SENTIMENTO DA GRATIDÃO FEZ UM TIGRE Uma criada dos Monizes, como desse tino do rebuliço de baús que se arrastavam, fechavam e abriam, e não recebesse aviso nem preceito de calar-se, contou ao outro dia ao seu conversado o acontecido, dando-lhe a entender que os amos ou tratavam de fugir com medo ao Sr. D. Miguel ou então iam esconder as riquezas para lhas não roubar a tropa.
Esta notícia, atravessando em segredo vários ouvidos, chegou aos do abade ao escurecer, já tão aumentada que lhe disseram estar tudo pronto em casa dos Monizes para fugir de noite. O padre Leonardo Botelho de Queirós expediu um urro, e chamou a gritos Norberto e os mais façanhosos réus que tinha refugiados em casa.
- Sois onze homens! - disse ele. - Algum de vocês será tão fraco e cobarde que não se atreva a deitar a mão aos matadores dos lentes de Coimbra que iam beijar as mãos ao Sr. D. Miguel I? Se ai está entre vós algum que tenha medo, pode retirar-se.
- Quem é que tem medo aqui? - perguntou o Torto, correndo com os olhos os dez companheiros, que pareciam indignados da suspeita aviltadora do abade.
- Aqui ninguém tem medo! - bradou o João Rolhas de Midões.
- Pode dizer Vossa Senhoria à vontade o que quer de nós, que estamos às ordens - acrescentou o Isidro Cambado, esfregando as mãos calosas, que davam o som ríspido de duas lixas friccionadas.
Conclamaram todos então com diversos brados as manifestações ruidosas da sua bravura. O abade prosseguiu:
- Saibam vocês que eu esperava amanhã por noite tropa de Viseu para prender os Monizes, que mataram os lentes; mas acabo de saber agora que eles fogem esta noite. Se lhes não acudirmos, amanhã já ninguém os pilha. São vocês capazes de os prender?
- Somos! E é já! - saíram várias vozes da turba.