Da vida anterior do académico já D. Clementina Pimentel referiu o principal. O seu pai tinha oito filhos, e colhia escasso pão com que lhes pagasse o incessante labutar nos campos. Enviara três ao Brasil, onde tinha um irmão solteiro e sovina. Arranjara dois no Porto em trato de caixeiros. Mandou, com poucos recursos, Bernardo a Lisboa aprender pintura. Escolheu o mais robusto para o ajudar na lavoura, e a filha para a casar com um dote de duzentos mil réis, quando aparecesse um rapaz videiro, que tivesse do seu algumas leiras.
Já também sabem que o irmão sovina morreu atascado em ouro. Se não voasse à glória de repente, era opinião geral que deixaria os seus quinhentos contos a várias confrarias, sob condição de o baldearem do enxofre e betume do Inferno, e o levarem a encontrões de sufrágios pelo Céu dentro. Se a intenção o salvou, é questão de teologia moral em que não implico: salvados, com toda a certeza, sei eu que foi o irmão e os oito sobrinhos do defunto, se é profanamente lícito supor que quinhentos contos salvam do enxofre e betume deste mundo nove pessoas pobres.
Bernardo Moniz, avisado pelo pai, largou a custo os pincéis. A pintura dera-lhe pábulo ao devanear do espírito, por esferas mais altas e lúcidas que a do seu nascimento. Era a sua poesia e brasão. A soledade falava-lhe. O céu, as árvores, os ribeiros, os horizontes, o dilúculo da manhã e o arrebol da noite entendiam-no, davam-lhe em troca do amor as suavidades da contemplação. O jovem, às vezes, na praia de Belém, voltado ao mar, ou na quinta de Belas, emboscado nas ramagens, chorava; mas a soledade enviava-lhe as carícias das suas auras, o trilo das suas aves, e o acre balsâmico das suas moutas. E, depois, o pintor, à luz da noite, e nas madrugadas convidativas da inspiração, espelhava o coração na tela, reproduzindo quase sempre as poucas variantes do mesmo motivo.