- Estava cá morto por ti, homem!... Que diabo de demora!
- Aqui estou, meu amo.
- Esperava-te já de manhã.
- Encravou-se o macho, e tive de esperar três horas que aparecesse ferrador. Aqui está a resposta.
E entregou-lhe uma carta.
- Que ouviste por lá dizer? - disse o abade, lendo rapidamente.
- Dos lentes? Mataram-nos não sei quantos estudantes.
- E sabes que o Bernardo foi dos matadores?
- Não ouvi nada disso, fidalgo.
- Pois foi. Já está em Viseu ordem de prisão para todos. Cheguei de lá agora. Amanhã ou depois cerca-se a casa, e, se eles lá estão, como já tive notícia, vão todos malhar à forca, que nem Deus nem o Diabo lhes pode valer.
- E a fidalga? - atalhou Norberto, apiedando o rosto.
- Que vens tu cá falar-me nessa mulher perdida?... Se eu a lá encontrasse..., essa quem na enforcava era eu no galho de um castanheiro. Eu não tenho filha nenhuma, percebes?
- Sim, senhor.
- Então nem mais palavra a tal respeito! - ordenou rispidamente o abade.
- Não que vossa senhoria tem razão - remediou Norberto. - Eu disse isto; mas não é por querer que vossa senhoria perdoe à menina nem a ele. Quem primeiro lhe atira, se o vir, é cá o Calvo. Lobrigue-o eu que à forca não vai ele. Qual forca? Isto de homens ricos não vão à forca. O melhor é dar-lhe cá o passaporte para o outro mundo, e pô-lo logo a responder de facto e direito, como o outro que diz.
Jubilou o abade, riram-se-lhe olhos e dentes, e desbordou-lhe a ternura do seio nesta doçura de falas quase segredadas:
- Olha cá, Norberto! O meu homem hás de ser tu sempre! Não me fio do Frazão nem do Torto, que são bravos, mas muito brutos. Vamos arranjar o plano. O que tu disseste é o que eu quero.