Inferno - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 51 / 102

Como o barquinho para o mar larga da praia, aos poucos recuando, assim ele largou dali e, quando totalmente à larga se sentiu, onde estava o peito pôs a cauda e, com ela esticada, qual enguia se moveu e por meio das aletas começou a atrair o ar a si. Não creio que maior tivesse sido o medo quando Faetonte as rédeas desprendeu, razão pela qual, como se vê ainda'°, se incendiou o céu, nem quando o malogrado Ácaro sentiu a cintura despojar-se das plumas em virtude da cera derretida, gritando-lhe o pai: «Por mau caminho segues!», do que foi o meu quando vi que por todos os lados me cercava o ar e nada mais se via a não ser a fera. Ela foi voando lentamente, rodando e perdendo altura, mas não me apercebi de nada que não fosse o ar a bater-me na cara e mais abaixo.

Ouvia já à direita o estrondo da torrente que em baixo se despenhava no abismo, o que me fez adiantar a cabeça e firmar bem a vista. Então mais temor tive ao abismo, pois que vi fogo e escutei prantos que todo trémulo me fizeram encolher. E vi depois o que antes não vira: a descida em círculos, por causa dos grandes perigos que nos rodeavam. Como o falcão que, tendo voado longamente sem ver engodos nem aves, faz que lhe diga o falcoeiro: «Ai de mim, que desces!», e baixa fatigado das alturas onde voltas dava aos centos e vai longe poisar, desdenhoso e irado, assim poisou Gérion no fundo mesmo da rocha escarpada e, livre do peso das nossas pessoas, afastou-se como a seta sai do arco.





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