Inferno - Cap. 21: Capítulo 21 Pág. 61 / 102

Assim de ponte em ponte íamos passando, falando de coisas que não cuida de cantar esta comédia minha; e havíamos alcançado o cume, quando paramos para ver a outra abertura do Malebolge e os outros prantos vãos, e vi-a terrivelmente escura. Tal como no arsenal dos Venezianos no Inverno ferve o pegajoso pez para brear os barcos avariados que não podem navegar e há quem um barco novo faça, quem calafete o costado do que mais viagens fez, quem reforce a proa e quem à popa o faça, enquanto outros fazem remos, outros entrançam cabos e outros ainda a mezena e o artemão reparam, assim também, não pelo fogo, mas pelo engenho divino, ali em baixo fervia um pez espesso que por todo o lado tornava a margem viscosa.

Eu via-a, mas mais não via do que as bolhas que a fervura orgia, as quais inchavam todas para depois tornarem a cair comprimidas. Enquanto fixamente as contemplava, o meu guia atraiu-me a si do lugar onde estava, dizendo: «Cuidado! Cuidado!» Voltei-me então, como o homem que anseia por ver aquilo de que melhor fora fugir e que de tão súbito pavor é feito presa que, para ver, não se atarda a fugir; e vi atrás de nós um negro demo que para nós corria ao longo do rochedo. Ah, como era feroz o seu aspecto e como me parecia espantoso na sua atitude, de asas abertas e ligeiro de pés! Nos ombros, que eram enormes e ossudos, levava um pecador com ambas ancas assentes e segurava-o fortemente pelos tendões dos pés. Gritou da nossa ponte: «Eh, Malebranche! Aqui tendes um dos anciãos de Santa Zita! Metei-o lá em baixo, que eu por outros volto àquela cidade que tenho bem provida! Todos os homens ali são falsários, menos Bonturo: por dinheiro, de um não fazem um sim.»





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