Inferno - Cap. 28: Capítulo 28 Pág. 84 / 102

Oh, como me pareceu aterrado, com a língua cortada na garganta, Cúrio, que tão ousado fora no falar! E um, que ambas as mãos tinha cortadas e ao ar sombrio erguia os cotos, de modo que o sangue a cara lhe manchava, gritou: «Recordar-te-ás também de Mosca, que disse, o infeliz: 'O que está feito está feito', o que foi má somente para a gente toscana.» E eu acrescentei: «E da tua raça foi a morte.» Pelo que ele, sobre dor acumulando dor, se afastou como pessoa triste e enlouquecida.

Eu, porém, continuei a contemplar o bando e vi algo que, sem mais prova, sozinho temeria descrever, se não me assegurasse a consciência, essa boa companhia que o homem anima, na condição de que se sinta limpa. Vi realmente, e me parece ver ainda, um busto sem cabeça andar como andavam os outros daquela triste grei. Tinha a cabeça, cortada, pelos cabelos presa, da mão pendendo à guisa de candeia, e essa cabeça olhava-nos dizendo: «Ai de mim!» Dessa maneira dava luz a si próprio, e eram dois num só e um só em dois. Como possa tal ser, sabe-o quem governa o mundo. Quando chegou ao pé da ponte, ergueu o braço ao alto com a cabeça para de nós aproximar o som da sua fala, que foi esta: «Vê agora a pena terrível, tu que, respirando, vais os mortos observando, e pensa se alguma há tão grande quanto esta. E, para que de mim leves notícia, fica sabendo que sou Bertrand de Born, aquele que tão mal aconselhou o jovem rei. Entre pai e filho, a discórdia instilei; Aquitofel não fez mais entre Absaláo e David com maus incitamentos. Por ter separado pessoas tão unidas, levo o meu cérebro separado, mísero de mim, do seu principio, que neste tronco está. Assim se cumpre em mim a lei de Talião.»





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