1984 - Cap. 9: Capítulo IX Pág. 110 / 309

Não sabia por que a Polícia do Pensamento haveria de mandar recados daquela maneira, mas devia ter seus motivos. O que estava escrito no papel podia ser uma ameaça, uma intimação, uma ordem de suicídio, uma armadilha qualquer. Mas havia outra possibilidade, mais louca, que insistia em levantar a cabeça, embora debalde tentasse suprimi-la. Era de a mensagem vir não da Polícia do Pensamento, mas de alguma organização clandestina. Talvez a Fraternidade existisse, afinal de contas! Talvez a moça fizesse parte dela! Sem dúvida, a ideia era absurda, mas lhe brotara na mente no mesmo instante em que sentira o papel na mão. Só dali a uns dois minutos foi que a outra explicação mais provável lhe ocorrera. E mesmo agora, conquanto o intelecto lhe dissesse que o recado com certeza significava morte - não era o que ele acreditava, e a esperança irracional persistia, o coração tumultuava, e foi com dificuldade que impediu a voz de tremer ao murmurar os números dentro do falascreve.

Enrolou todos os papéis da tarefa terminada e meteu o maço no tubo pneumático. Oito minutos haviam passado. Reajustou os óculos no nariz, suspirou e puxou outro maço de papéis, com o recado em cima. Alisou-o com os dedos. No papel estava escrito, em caligrafia graúda e irregular:

Eu te amo.

Durante vários segundos ele ficou tão boquiaberto que nem se lembrou de atirar no buraco da memória o papel incriminador. Quando afinal o jogou fora, não pôde resistir a uma segunda leitura, para se certificar de que eram aquelas as palavras, embora soubesse muito bem do perigo que corria em demonstrar demasiado interesse.

O resto da manhã, foi-lhe muito difícil trabalhar. Pior que concentrar a mente numa série de servicinhos insignificantes era a necessidade de ocultar sua agitação perante a teletela.





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