- Não é nada - repetiu. - Apenas deu um baque no pulso. Obrigada, camarada!
E com isso continuou na direção em que ia antes, com o mesmo passo decidido, como se de fato fosse nada. O incidente todo mal durara meio minuto. Nem isso, talvez. Não permitir que os sentimentos se revelem na fisionomia era um hábito que adquirira proporções de instinto, e além disso tudo sucedera diante duma teletela. Não obstante, fora muito difícil não trair uma surpresa momentânea, porque nos dois ou três segundos que estivera a ajudá-la a moça passara à mão dele um objeto qualquer. Não havia dúvida de que o fizera intencionalmente. Era algo pequeno e chato. Quando entrou no mictório, ele transferiu o objeto ao bolso e apalpou-o com as pontas dos dedos. Era um pedaço de papel, dobrado várias vezes.
Parado diante do vaso ele conseguiu, manobrando os dedos, desdobrar o papel. Evidentemente, continha um recado. Por um momento, sentiu-se tentado a trancar-se na privada e lê-lo ali mesmo. Mas seria uma estúpida loucura, como sabia muito bem. Não havia lugar que as teletelas vigiassem com maior atenção e continuidade.
Voltou ao cubículo, sentou-se, atirou o fragmento de papel, com toda a naturalidade, entre outros papéis sobre a escrivaninha, colocou os óculos e puxou o falascreve na sua direção. "Cinco minutos", disse ele consigo mesmo, "cinco minutos no mínimo!" Dentro do peito o coração lhe martelava com um barulho de dar medo. Felizmente, estava ocupado com um trabalho de rotina, mera retificação de uma lista de cifras, o que não exigia grande atenção.
Fosse o que fosse, devia ter sentido político a mensagem do papel. Tanto quanto podia imaginar, só havia duas possibilidades. Uma, e a mais provável, era de que a moça fosse agente da Polícia do Pensamento, como temia.