1984 - Cap. 9: Capítulo IX Pág. 113 / 309

Se ela trabalhasse no Departamento de Registro, seria relativamente simples, porém ele tinha ideia muito vaga da localização do Departamento de Ficção e não havia pretexto para visitá-lo. Se soubesse onde morava, e a que hora deixava o trabalho, poderia dar um jeito para encontrá-la no caminho de casa. Mas segui-la não era aconselhável, porque teria que esperar nas imediações do Ministério, o que certamente seria notado. Quanto a mandar uma carta pelo correio, era impossível. Por um processo que nem mesmo era secreto, todas as cartas eram abertas em trânsito. Na verdade, pouquíssima gente escrevia cartas. Quando, ocasionalmente, havia necessidade de se mandar uma comunicação, existiam cartões postais impressos com longas listas de frases, e o cidadão riscava as que não se aplicavam. Além do mais, não sabia o nome da moça, e muito menos o endereço. Por fim resolveu que o melhor lugar seria a cantina. Se conseguisse sentar-se a uma mesa com ela, mais ou menos no meio da sala, longe das teletelas, e com suficiente ruido de conversação em torno - e se essas condições durassem uns trinta segundos, talvez fosse possível trocar algumas palavras.

Durante uma semana, a partir daquele dia, a vida foi um sonho sem descanso. No dia seguinte ela não apareceu na cantina senão quando ele estava de saída, e o apito já tocara. Com certeza fora transferida a outra turma. Passaram sem se olhar. No dia seguinte, ela estava na cantina na hora do costume, mas com outras três colegas, e bem debaixo duma teletela. A seguir, por três dias penosos, não apareceu. O cérebro e o corpo de Winston pareciam atacados de intolerável' sensibilidade, uma espécie de transparência, que transformava em agonia qualquer movimento, qualquer som, contacto ou palavra que tivesse de pronunciar ou ouvir.





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