1984 - Cap. 10: Capítulo X Pág. 127 / 309

Que é que o fazia pousar num campo deserto e soltar sua música no vazio? Winston indagou de si mesmo se, apesar de tudo, não haveria por perto um microfone escondido. Ele e Júlia tinham falado em sussurros, e o micro não poderia tê-los percebido, mas com certeza captaria o canto do tordo. Talvez, na ponta do fio, um homenzinho com cara de besouro escutasse atento - escutasse canto. Aos poucos, porém, o embevecimento da música repeliu da mente de Winston todas as especulações. Era uma espécie de bálsamo despejado por cima de todo seu corpo, misturado com os raios do sol que se filtravam por entre as folhas. Parou de pensar, ficou apenas sentindo. No seu braço, a cintura da moça era morna e macia. Atraiu-a para mais perto, de modo a senti-la junto ao peito; o corpo de Júlia parecia derreter-se no dele. Onde quer que o tocasse com as mãos, cedia como água. As bocas estavam presas; muito diferente dos beijos quase formais que haviam trocado antes. Quando separaram o rosto, os dois suspiraram profundamente.

O passarinho assustou-se e esvoaçou, fugindo.

Winston aproximou os lábios da orelha dela.

- Agora - sussurrou.

- Aqui não - foi a resposta. - Vamos voltar para o esconderijo. É mais seguro.

Rapidamente, quebrando aqui e ali uns ramos secos, os dois voltaram para a clareira. Quando mais uma vez se encontraram na segurança da muralha de árvores novas, Júlia voltou-se e parou diante dele. Ambos ofegavam, mas o sorriso reapareceu nas comissuras dos lábios. Ela o fitou durante um instante, e depois apalpou o zip do macacão. Ah, sim! Foi quase como no sonho de Winston. Quase com a mesma ligeireza, ela tirou a roupa, e quando a atirou para um lado foi com o mesmo gesto magnífico que parecia aniquilar toda uma civilização.





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