1984 - Cap. 17: Capítulo XVII Pág. 223 / 309

Não passa de ato mecânico certificar-se de que todos os registros escritos concordam com a ortodoxia do momento. Mas também é necessário recordar que os acontecimentos se deram da maneira desejada. E se for necessário rearranjar as lembranças de cada um, ou alterar os registos escritos, então é necessário esquecer que assim se procedeu. Esse é um truque que pode ser aprendido como se aprende qualquer outra técnica mental. É aprendido pela maioria dos membros do Partido e certamente por todos que são tão inteligentes quanto ortodoxos. Em Anticlíngua chama-se, com toda a franqueza, "controle da realidade." Em Novilíngua, chama-se duplipensar, conquanto duplipensar abranja muita coisa mais.

Duplipensar quer dizer a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias, e aceitá-las ambas. O intelectual do Partido sabe em que direção suas lembranças devem ser alteradas; portanto sabe que está aplicando um truque na realidade; mas pelo exercício do duplipensar ele se convence também de que a realidade não está sendo violada. O processo tem de ser consciente, ou não seria realizado com a precisão suficiente, mas também deve ser inconsciente, ou provocaria uma sensação de falsidade e, portanto, de culpa. O duplipensar é a pedra basilar do Ingsoc, já que a ação essencial do Partido é usar a fraude consciente é ao mesmo tempo que conserva a firmeza de propósito que acompanha a honestidade completa. Dizer mentiras deliberadas e nelas acreditar piamente, esquecer qualquer fato que se haja tornado inconveniente, e depois, quando de novo se tornar preciso, arrancá-lo do olvido o tempo suficiente à sua utilidade, negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo perceber a realidade que se nega - tudo isso é indispensável.





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