Não significa apenas que se modifiquem discursos, estatísticas e registros de todo gênero para demonstrar que as predições do Partido são sempre certas. É que não se pode admitir, jamais, nenhuma modificação de doutrina ou de agrupamento político. Mudar de ideia, ou de política, é confessar fraqueza. Se, por exemplo, a Eurásia ou a Lestásia (qualquer das duas) for a inimiga de hoje, então aquele país deve ter sido sempre o inimigo. E se os fatos dizem coisas diferentes, então é preciso alterá-los. Assim se reescreve continuamente a história. Essa falsificação cotidiana do passado, realizada pelo Ministério da Verdade, é tão necessária à estabilidade do regime como o trabalho de repressão e espionagem levado a cabo pelo Ministério do Amor.
A mutabilidade do passado é o dogma central do Ingsoc. Argumente-se que os acontecimentos passados não têm existência objetiva, porém só sobrevivem em registos escritos e na memória humana. O passado é o que dizem os registros e as memórias. E como o Partido tem pleno controle de todos os registros, e igualmente do cérebro dos seus membros, segue-se que o passado é o que o Partido deseja que seja. Segue-se também que embora o passado seja alterável, jamais foi alterado num caso específico. Pois quando é re-escrito na forma conveniente, a nova versão passa a ser o passado, e nada diferente pode ter existido. Isto se aplica mesmo quando, como acontece com frequência, o mesmo sucesso tem de ser alterado várias vezes no decurso de um ano. Todas as vezes o Partido é detentor da verdade absoluta, e claramente o absoluto não pode nunca ser diferente do que é agora, Ver-se-á que o controle do passado depende, acima de tudo, do treino da memória.