- Lembras-te do tordo -perguntou ele -que cantou para nós, o primeiro dia, na borda do bosque? - Não estava cantando para nós, - disse Júlia. - Estava cantando para se distrair. Nem isso. Apenas cantava. Os pássaros cantavam, os proles cantavam, o Partido não cantava. No mundo inteiro, em Londres e em Nova York, na África e no Brasil e nas terras misteriosas e proibidas de além-fronteiras, nas ruas de Paris e Berlim, nas aldeias da infindável planície russa, nos bazares da China e do Japão - em toda parte a mesma figura sólida, invencível, que o trabalho e os partos sucessivos haviam tornado monstruosa- trabalhando desde nascer até morrer, e sempre cantando. Daqueles corpos robustos viria um dia uma raça de seres conscientes. O futuro era deles. Mas era possível participar desse futuro mantendo o espírito vivo como eles mantinham o corpo, e passar adiante a doutrina secreta de que dois e dois são quatro.