1984 - Cap. 17: Capítulo XVII Pág. 230 / 309

Se esperança havia, estava nos proles! Sem ler o livro até o fim, sabia que devia ser essa a mensagem final de Goldstein. O futuro pertencia aos proles. E poderia ter a certeza de que, quando chegasse o momento, o mundo que construiriam não lhe seria tão alheio, a ele, a Winston Smith, quanto o mundo do Partido? Sim, porque ao menos seria um mundo de sanidade mental. Onde há igualdade, há sanidade. Mais cedo ou mais tarde aconteceria: a força se transformaria em consciência. Os proles eram imortais; não era possível duvidar-se, fitando a valente figura da mulher no pátio. Por fim chegaria o seu despertar. E até que isso acontecesse, nem que levasse mil anos para acontecer, aguentariam vivos contra tudo, como os pássaros, transmitindo de corpo a corpo a vitalidade que o Partido não possuía e que não podia matar.

- Lembras-te do tordo -perguntou ele -que cantou para nós, o primeiro dia, na borda do bosque? - Não estava cantando para nós, - disse Júlia. - Estava cantando para se distrair. Nem isso. Apenas cantava. Os pássaros cantavam, os proles cantavam, o Partido não cantava. No mundo inteiro, em Londres e em Nova York, na África e no Brasil e nas terras misteriosas e proibidas de além-fronteiras, nas ruas de Paris e Berlim, nas aldeias da infindável planície russa, nos bazares da China e do Japão - em toda parte a mesma figura sólida, invencível, que o trabalho e os partos sucessivos haviam tornado monstruosa- trabalhando desde nascer até morrer, e sempre cantando. Daqueles corpos robustos viria um dia uma raça de seres conscientes. O futuro era deles. Mas era possível participar desse futuro mantendo o espírito vivo como eles mantinham o corpo, e passar adiante a doutrina secreta de que dois e dois são quatro.





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