1984 - Cap. 17: Capítulo XVII Pág. 233 / 309

Rolava pelo chão, ofegante. Winston não ousava virar a cabeça nem um milímetro, mas de vez em quando o rosto lívido da moça entrava no seu campo de visão. Em meio ao seu terror, tinha a impressão de poder sentir a dor no seu próprio corpo, a dor fatal que no entanto era menos ansiosa que a luta de Júlia para recobrar o fôlego. Ele sabia como era: a dor terrível, agoniante, presente o tempo todo mas que não podia ainda ser sofrida porque, antes de tudo, era necessário respirar. Então dois homens a suspenderam pelos ombros e joelhos e a levaram para fora do quarto, como um saco. Winston viu-a de relance, cabeça para baixo, amarela e contorcida, olhos fechados, e ainda com uma mancha de ruge em cada face; foi a última vez que viu Júlia.

Continuou imóvel. Ainda ninguém o esbordoara. Pensamentos que surgiam por si mesmos, mas que pareciam totalmente desinteressantes, começaram a revolutear na sua cabeça. Teriam apanhado também o Sr. Charrington? Que teriam feito com a lavadeira do quintal? Reparou que tinha urgente vontade de urinar, e sentiu-se ligeiramente surpreso, porque se aliviara havia apenas duas ou três horas. Observou que o velho relógio da lareira marcava nove, significando vinte e uma horas. Mas a luz lhe parecia forte demais. Já não deveria estar esmorecendo às vinte e uma, em agosto? Seria possível que ele e Júlia se tivessem enganado - dormido mais de 10 horas e acreditado que fossem vinte e trinta quando na verdade eram oito e trinta da manhã seguinte? Não prosseguiu no raciocínio. Não interessava.

Outro passo, mais ligeiro, se fez ouvir no corredor. O Sr. Charrington entrou no quarto. De repente, tornou-se mais cortês a conduta dos homens de uniforme negro.





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