- A casa está cercada - disse Winston.
- A casa está cercada - repetiu a voz.
Ouviu Júlia trincar os dentes.
- Creio que é melhor nos despedirmos - disse ela.
- É melhor vos despedirdes - disse a voz.
E depois uma voz completamente diferente, fina, culta, e que deu a Winston a impressão de já a haver ouvido nalguma parte:
«E por falar nisso, já que falamos do assunto, Aí vem uma luz para te levar para a cama, Aí vem um machado para te cortar a cabeça!»
Algo caíra na cama, por trás de Winston. A ponta de uma escada fora metida pela vidraça e quebrara o caixilho. Alguém entrava pela janela. Ouviu-se um tropel de botas que subiam por dentro da casa. O quarto encheu-se de homens robustos, de uniformes negros, botas ferradas nos pés e bastões nas mãos.
Winston já não tremia. Mal mexia os olhos. Só uma coisa lhe importava: ficar muito quieto, ficar imóvel, para não lhes dar pretexto para espancá-lo! Um homem de cara lisa, de pugilista, em que a boca não passava de uma frincha, parou diante dele, brandindo o bastão com ar pensativo. Winston fitou-o nos olhos. Era quase insuportável a impressão de nudez, as mãos na nuca, o rosto e o corpo expostos.
O homem mostrou a ponta da língua branca, umedeceu o lugar onde deveriam estar os lábios, e passou adiante. Houve outro estrondo. Alguém apanhara o peso de papel da mesa e o arrebentara de encontro à lareira.
O fragmento de coral, uma partícula crespa de rosa, como um enfeite de bolo, rolou pelo capacho. Que pequenino, pensou Winston, como sempre fora pequenino! Houve uma exclamação e um baque, atrás dele, e levou um pontapé no tornozelo que quase o fez perder o equilíbrio. Um dos homens desferira um murro no plexo de Júlia, fazendo-a dobrar-se em dois como um canivete.